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sexta-feira, 18 de abril de 2014

Sexta-feira da Paixão - feijão doce à mesa



Não sou católico, muitas vezes nem religioso. Porém, há um dia no ano em que a tradição apostólica me leva a pertencer a esse mundo espiritual, mesmo que seja por outras razões. A sexta-feira da Paixão me remete a pratos e lugares muito especiais.

Quando criança, este era o dia que os lobisomens apareceriam para pegar as crianças pagãs. Como nunca fui batizado, naqueles anos eu não saia mais à rua depois de escurecer. No máximo, ficava no passeio da casa da minha avó Tereza Braga com todo mundo em volta.

Mas até às seis horas da tarde, isso nem passava muito pela minha cabeça. Só queria mesmo saber do feijão doce. Este prato que é preparado por minha família somente nesta data. Minha mãe, Ju, aprendeu a fazer com minha outra avó paterna, Landa. Junto ao feijão doce, que se torna uma pasta, vem o arroz, o vatapá, peixe e vinho.

Na casa da minha avó, Tereza Braga, com a família grande e muitos amigos, a sexta-feira da Paixão se tornava um dia peculiar, um dia de encontros. Enquanto minha mãe fazia o feijão doce, que começava a ser preparado na verdade no dia anterior, e minhas tias e avó ajudavam com os outros pratos, os amigos iam chegando.

Todo ano era certa a presença do nosso amigo Grego (esse era o apelido). Praticamente só aparecia na casa da minha avó nesta data. Sabíamos que ele estaria lá. Se não fosse, o almoço não estaria completo. Era como se a mesa estivesse vazia.

Meu tio Carlos Edmundo (Coisinha), geralmente vestido com sua camisa do Vasco da Gama, adentrava e saia da casa a todo momento. Às vezes, ficava no portão em pé, olhando o tempo. A praça da feira no seu silêncio inabitual. Quando me via, dizia – Cobra Khan. Era apenas para perturbar-me. Depois fugia com um sorriso e ia dar atenção a Grego.

Quando todos já estavam postos à mesa, a panela de feijão doce era a que mais atraia os olhares. Em Poções, desconheço outra família que o prepare. Nunca comi em outro lugar. Nunca passei uma sexta-feira da Paixão sem prová-lo. Eis que estamos aqui de novo e, espero, que seja sempre. Boa sexta-feira da Paixão, ótimo feijão doce.

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