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sábado, 18 de janeiro de 2014

O exercício livre da memória - entre uma pincelada e as brincadeiras na Praça da Liberdade



Adilson Santos

Muitas pessoas da minha geração, dos 30 anos para baixo, não conhecem Adilson Santos nem sua obra. Não sabem que este artista, nascido em Poções, pequeno no tamanho, grande em pinturas surrealistas e flamengas, carrega em suas tintas, em seus estreitos ombros, o nome da cidade mundo afora.  Nesta sexta-feira,17, Poções recebeu o mundo, fez-se parte do mundo pelas páginas dos dois livros que compõem a caixa de “O Exercício Livre da Memória”.  

Além dos livros, a caixa tem um documentário sobre Adilson Santos e traz também uma Poções de outrora, de um céu e luar estonteantes, da igrejinha, dos quintais livres para se brincar com o peão... As pinturas e desenhos de Adilson dizem muito sobre Poções, sobre seus fundos de quintais.

Enquanto o peão de Adilson Santos gira, gira e gira, as memórias dos que adentravam o Cerimonial Garden, para participar do lançamento dos livros, são expostas e sentidas em cada passo dado em direção à pessoa que está à mesa autografando. O olhar de quem chega está compenetrado, hipnotizado em direção à mão que agora rabisca peões e nomes em um dos livros.  Quando os olhares se encontram, o do artista e dos velhos amigos, os sorrisos temem em se guardar para que os lábios possam ficar livres e enfim pronunciar qualquer lembrança; os abraços parecem eternos. Adilson Santos tem diante de si o seu passado agora em carne e osso, e não somente em memórias, paletas, pincéis, telas e papeis.

O título dos livros faz jus ao final de tarde e restante da noite. A memória dos que compareceram ao lançamento esteve todo o tempo correndo naquele ambiente, como uma criança, entre uma Poções da década de 1950 e a presente. Incansável, ela puxava para as mesas os fundos de quintais, os tropeiros, as casuarinas, o Alexandre Porfírio, Corinto Sarno, a Praça da Liberdade...

Quanta liberdade a memória tem neste dia para desfilar entre uma boca e outra, entre um ouvido e outro suas histórias. Enquanto Adilson Santos ia autografando os livros, Michelle Sangiovanni narrava inúmeras delas. O ponto de partida para os relatos do filho de Amadeo Sangiovanni foi a chegada de mais um ilustre. Por toda minha vida ouvia em alguma esquina, em algum campo de futebol, em qualquer praça, o nome do maior jogador de futebol que Poções já teve. Então, Michele diz - João Batatinha! Olhei para traz sabendo que ia encontrar uma pessoa mítica. Esse senhor de cabelos grisalhos, estatura média, que adentrava o local sorrindo, era o grande ex-jogador João Batatinha.

Cresci ouvindo esse nome e, agora, eu estava ali bem diante do maior de todos. Sentou-se à mesa com uma simplicidade e simpatia colossal, após alguns minutos do reencontro com Adilson Santos. Com João Batatinha, Michele, Carlos Rizério e Rita, esposa de Michele, o passado de Poções veio à flora.

João Batatinha e Adilson Santos
João Batatinha falava da Praça da Liberdade, que ele se recusa a chamá-la de Praça da Bandeira; lembrou do Obelisco e também das árvores que parecem pinheiros, as casuarinas. Michele, então, revela uma traquinagem de infância. Eles pegavam as pastas que cada estudante tinha e as colocavam em nos galhos das árvores. Puxavam até embaixo e depois soltavam. “As pastas voavam longe”. Para ele, foi inevitável não recordar os tempos de estudo no Alexandre Porfírio, a única escola da cidade e com uniforme cor de cáqui que alguns alunos compravam e às vezes o governo dava. “Eu sempre usava o do governo”, conta João Batatinha em meio à risada. “Enquanto vocês estudavam eu ficava jogando bola”, acrescenta. “Ele jogava bola de manhã, de tarde e de noite”, Michele puxa à memória aqueles dias na Praça da Liberdade. Adilson Santos mais tarde senta e diz que o time tinha um bom quarteto formado por Zoma, João Batatinha, ele e...

José Carlos Leto chega e Michele logo trata de dizer que é preciso resgatar algumas tradições italianas na cidade. Eu conhecia José Carlos Leto de nome, de sua ligação com o cinema, do grupo do Facebook Velhas Fotografias de Poções, que nos tem brindado com um acervo brilhante e foi criado por Lulu Sangiovanni. Tive então o prazer também de conhecê-lo pessoalmente durante o lançamento.

Entre tantos nome e mitos que iam se juntando a nós, Michele relembra de Corinto Sarno, que para ele foi um dos maiores homens que já viveu em Poções. Contribuiu para a chegada da energia elétrica, foi o primeiro a ter um aparelho de telefone, era um dos responsáveis pela construção da Igreja Matriz, entre tantos outros atributos. “Merece muito mais do que um nome de rua”, diz inconformado. Ouvi atentamente Michele falar também sobre os tropeiros que tinham suas longas capas e chegavam na sexta-feira para dormir na cidade e vender suas mercadorias no outro dia. Falou da tipografia que João Batatinha ainda mantém como uma herança de família, do seu pai Alcides.

O passado e suas memórias estão batendo à porta. Deixemos entrá-los e vamos expandi-los. Como disse Lulu Sangiovanni em recente publicação em seu blog, “Os lançamentos dos livros de Affonso Manta e Adilson Santos coroam a cultura poçõense”. Tive sorte de presenciar os dois lançamentos, a Antologia Affonso Manta, organizada por Ruy Espinheira Filho, lançada em Salvador em novembro de 2013, e agora “O exercício livre da memória”, de Adilson Santos.

De lá para cá, li os poemas de Affonso, apertei as mãos de Adilson Santos e quase me ajoelhei diante dos pés de João Batatinha, o maior jogador que Poções já ouviu falar. Para Michele, só não foi melhor que Pelé. Nossos heróis, mitos e personagens estão aparecendo, estão se materializando, por ora em livros, memórias alheias e fotografias. Precisamos ainda de muito mais, esse é só o começo, é só o ponta pé inicial, mas agora com João Batatinha e Adilson Santos em campo. 

Texto: Fábio Agra
Fotos: Silvio Persi

5 comentários:

  1. Fábio,
    Sou nascido em Poções, com pais, irmã e vários parentes ainda moradores da nossa amada cidade.
    Hoje resido em outro estado, mais precisamente na cidade de São Bernardo do Campo-SP, mas sempre estou ligado nas notícias da nossa terrinha.
    Sempre senti falta de ter algum blog, site ou algo equivalente que relembrasse as histórias de Poções e mostrasse quão rico é o nosso passado, seja ele longínquo ou recente. Lendo seu texto fiz uma reflexão sobre o quanto não temos memória sobre o que passamos ou mesmo nossos pais passaram, uma vez que a juventude dos nossos dias pouco se importa com o que ou com quem fez história em nossa cidade.
    Partindo dessa sua brilhante ideia, gostaria de sugerir, se é que seu tempo permite, que captasse as figuras da cidade e alimentasse o seu blog com informações das mais variadas sobre aspectos passados em nossa cidade ou pessoas que fizeram e ainda fazem rica a nossa história.

    E caso necessite de algum texto sobre a cidade, seus moradores e histórias, conte comigo.

    Weider G. Dias
    SBC-SP, filho de Osvaldo Xavier Dias (figura bastante conhecida em Poções pelos mais velhos pelo futebol que jogava - como Zagueiro - junto ao talentoso João Batatinha) e Maria Rosa Costa Guimarães Dias. São 21 anos morando fora de Poções, mas não perdi minhas origens, pois volto sempre para rever parentes e amigos, sou baiano e defensor da cultura nordestina com muito orgulho.
    Poçoense com ORGULHO.

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    1. Caro Weider, primeiramente gostaria de agradecer por ter lido o blog e comentado. Realmente, é preciso relembrar, escarafunchar e escrever nosso passado. O intuito do blog também é esse. Aos poucos vou pesquisando, criando ritmo e desvendando moradores e histórias para serem escritas aqui. Agradeço muito pela sua dica. Embora, não haja uma publicação diária, devido a outras questões que não me permitem fazê-la, tentarei, sim, trazer a memória da nossa Poções. Por enquanto deixo uma dica também. Não sei se você já conhece, mas tem o excelente blog d meu amigo Luiz Sangiovanni, o qual me inspirei, que traz inúmeras histórias sobre Poções http://blogdosangiovanni.blogspot.com.br/.

      Mais um vez obrigado por ter lido e comentado.

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  2. Fábio,
    Eu já conhecia o Blog do Luiz Sangiovanni e costumo fazer passeios virtuais por lá.
    Boas história e, melhor, as belíssimas fotos antigas da nossa terrinha.

    Abraços e continue com o trabalho. Poções carece de pessoas com essa iniciativa.

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