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quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O campo do DNER – ali nós jogávamos em casa



Em pé da esq. para dir. : Márcio (goleiro - in memorian), Clovinho (zagueiro), Pelé (atacante), Júnior (Adalberto Vieira - lateral direito), Cal (zagueiro e irmão de Beca), Marcelo (atacante) e Binho (Dr. Wagner - meio campo). Agachados da esq. para dir.: Cal (lateral esquerdo), Eric Agra (meio campo), Beca (meio campo) , Fábio Agra (ponta esquerda), Dinato (ponta direita) e Vitor Agra (meio campo)

Ela surgiu de repente. Eu estava parado olhando atônito aqueles garotos correndo para um lado e para o outro. Tinha um rapaz negro e forte entre eles. Parecia Pelé, mas não o Edson Arantes do Nascimento, e sim Pelé, aquele rapaz que aparentava ser bem mais velho do que a gente e achávamos que ele jogava como o Edson.

Ouvi aqueles chamados habituais quando a bola é chutada ao gol e todo mundo, meio cansado de correr, grita para o primeiro que passa por perto - “Ei! a bola”. Desci da minha bicicleta e fui atrás dela, como nos velhos tempos. Segurei-a pela mão e a levantei no ar. Quando estava prestes a cair ao chão, meti a minha canhota. A emoção veio. Era final de tarde. Sai para visitar meu passado.

A rua fica nos fundos do antigo DNER. Ao aproximar-me sinto que o olhar vai ficando mais atento às casas. Hoje são muitas. Mas na época em que eu morava lá, a nossa era a última da rua. Parei um instante em frente dela. De lá vinha uma música. Não consegui identificar qual era, mas percebi que era antiga. Uma jorrada de memórias salta-me, fazendo o coração acelerar um pouco. A casa continua pequena, um pouco modificada à frente. Mas praticamente do mesmo jeito. Vi-me sentado na escada que dá acesso a ela. Vi-me correndo atrás da bola no meio da rua. A estradinha que levava-nos até o campo do DNER, como se fosse a subida do vestiário para o gramado de um grande estádio, já não existe mais. Uma casa foi construída, enterrando para sempre aquela passagem da infância para a adolescência.

O campo do DNER era totalmente irregular e tinha um declive na ponta direita de quem atacava no sentido às casas do DNER e um aclive, obviamente, para quem defendia daquele lado. As traves eram feitas de sisal. Percorremos uma vez até o Poçõezinho para cortar uns pés para fazê-las. Aquele campo era a nossa casa.

Nosso time não tinha treinador como os outros da época. Tínhamos apenas a liderança de Pelé, que quando ia chutar a bola, esbugalhava os olhos como se fosse soltar a maior bomba. Todos saíam da frente e ele passava ileso pela defesa adversária. Pelé era a nossa maior arma. Era forte e ganhava no corpo e na habilidade de qualquer zagueiro.

Nosso time tinha também os “pernas de paus”, os mais ou menos e alguns outros bons jogadores. Treinávamos nos finais de tarde no meio de semana para jogar no domingo contra outros times mais organizados e preparados. Quando saíamos para jogar no campo do Roberto Santos contra o time de Edson, geralmente perdíamos feio. Quando íamos para o campo do CNEC enfrentar o time de Marcelinho, também não tínhamos sorte. Mas o DNER era nossa casa e fazíamos questão de prevalecer o mando de campo e no mínimo empatar com os times de fora. Eles tinham técnico, esquema tático, campo regular, treino com bola e físico e, ainda por cima, jogo de camisa.

Quanto a nós, as posições eram definidas apenas para o início do jogo. Depois, cada um orientava o outro dentro de campo mesmo. Mal tínhamos reservas. Era melhor assim. Não tínhamos jogo de camisa nem para todos os titulares. O nosso primeiro uniforme foi o do Tira-Teima, que aparece na foto acima, e foi cedido pelos meus tios. Meu pai ajudou a pintar os números que só iam até nove. Pedíamos que alguém levasse mais duas camisas brancas para completar o uniforme, para que ficasse pelo menos parecido com o restante.

Nosso vestiário era às vezes embaixo do pé de manga que fica em frente à casa de Clovinho, outras vezes dentro de um tanque aberto e vazio que ficava quase próximo ao escanteio do lado esquerdo de quem ataca para as casas do DNER. Muitas vezes também já saíamos de casa com as chuteiras calçadas e o uniforme vestido.

No domingo, o campo ficava cheio de crianças e adultos. Muitos carrinhos de picolés. Até meio dia de domingo, aquele era nosso mundo. Mal dormia à noite anterior. Toda a ânsia corroía meu estômago. Será que ganharíamos? Será que eu faria algum gol? Tudo isso me consumia.

Eu era ponta esquerda do time. Meus irmãos Eric e Vitor jogavam no meio campo. Pelé era nosso atacante. Márcio, que nos deixou há alguns anos, era o nosso goleiro; Júnior, hoje policial militar, lateral direito; Cal, que mora hoje nos Estados Unidos, era o lateral esquerdo; os nossos zagueiros eram Clovinho, que tinha a melhor chuteira, uma Munique, mas mal sabia dominar a bola, e Cal, irmão de Beca, que jogava no meio campo; completava o time titular o habilidoso Dinato, nosso ponta direita. Havia também Binho (hoje Dr. Wagner) e Marcelo, além de Cleber, Dauri e Flor. Estes três moravam no próprio DNER, assim como Márcio e Clovinho. Os outros, como eu e meus irmãos, moravam nas redondezas. Tinha também Agmael, Dinho e outros amigos.

Este jogo em que posamos para tirar a foto acima foi um dos mais importantes. Do outro lado tinha um time com um uniforme do Bahia, completo diga-se de passagem. Chamamos um fotógrafo profissional para guardar para sempre aquele momento. Ganhamos de 5 a 3. Fiz dois gols - um após o escanteio, em que a bola sobrou livre para mim, e o outro de pênalti. Na hora de andar até a marca da cal, muitos vinham no meu ouvido e diziam – “chuta rasteiro porque esse goleiro é muito bom no alto”. Eu não sabia bater pênalti muito bem e só gostava de chutar a meia altura. Corri para a bola e bati rasteiro no canto direito dele, deslocando-o. Não lembro-me o nome do goleiro, mas tinha a fama de ser um dos melhores.

Essa semana encontrei-me com Pelé e dei-lhe uma cópia desta foto que ele cobrava há tempos. Por alguns segundos ele ficou apenas contemplando. Em seguida, fez o seguinte comentário acrescido de uma pergunta. “Eu já tinha um corpo bem avantajado nessa época. Eu era o técnico de vocês? Todos eram crianças!” Eu respondi que não. Que ele jogava com a gente. Pelé era admirador de artes marciais, de filmes de Van Damme e Bruce Lee. Talvez por isso, ele fez toda essa pose para sair na fotografia. Mas de fato ele era bem mais velho que nós.

Voltando ao ponto de partida, encontro-me com Flor, amigo daquela época. Cumprimentamos um ao outro rapidamente. Paro mais à frente e fico contemplando da esquina toda a rua que passei um dos melhores anos da minha vida. Algumas casas construídas já impedem de observar o restante do pôr do sol.

O campo de futebol que observo agora não é o do DNER. Fica um pouco mais acima. Mas o terreno também é irregular, as traves são de madeira, os meninos de todas as idades jogam uns com camisa e outros sem. Era como se eu estivesse observando todos nós naquele instante. O campo do DNER já não existe mais. Só visitando a memória para jogar uma partida de futebol com meus amigos. 

Texto: Fábio Agra
Foto: Provavelmente 1994

7 comentários:

  1. Pô véi, me emocionei bastante. Só faltou asseverar que nesse jogo eu fiz um gol, na sorte, mas fiz. rs.

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    1. Anônimo, escreva aí seu nome. Quem fala? Desculpe não citar as outras pessoas que fizeram gols. Realmente não recordava. Lembrei apenas que fiz dois.

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  2. Olhando pra essa foto e lendo o seu texto, me passou pela memória as minhas histórias nos campos que hoje não existem mais! Uma pena que hoje muitos jovens não dão importância a esse esporte, que integrava pessoas de diferentes comunidades poçoenses! Gustavo

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  3. Obrigado por ter lido o texto Gustavo. Realmente, Poções tinha muitos campos. Era uma diversão só.

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  4. Muito bom colega, na década de 80, também brinquei alguns babas aí no DNR, parabéns

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    1. Muito obrigado por ter lido o texto, Cláudio. Abraço!

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  5. Fábio, na verdade, a gente não treinava (mesmo), era uma espécie de rachão todos os dias! Ah, o gol do primeiro comentário foi meu (hehe)! Binho.

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