Ela surgiu de repente. Eu estava
parado olhando atônito aqueles garotos correndo para um lado e para o outro.
Tinha um rapaz negro e forte entre eles. Parecia Pelé, mas não o Edson Arantes
do Nascimento, e sim Pelé, aquele rapaz que aparentava ser bem mais velho do
que a gente e achávamos que ele jogava como o Edson.
Ouvi aqueles chamados habituais
quando a bola é chutada ao gol e todo mundo, meio cansado de correr, grita para
o primeiro que passa por perto - “Ei! a bola”. Desci da minha bicicleta e fui
atrás dela, como nos velhos tempos. Segurei-a pela mão e a levantei no ar.
Quando estava prestes a cair ao chão, meti a minha canhota. A emoção veio. Era
final de tarde. Sai para visitar meu passado.
A rua fica nos fundos do antigo
DNER. Ao aproximar-me sinto que o olhar vai ficando mais atento às casas. Hoje
são muitas. Mas na época em que eu morava lá, a nossa era a última da rua.
Parei um instante em frente dela. De lá vinha uma música. Não consegui
identificar qual era, mas percebi que era antiga. Uma jorrada de memórias salta-me,
fazendo o coração acelerar um pouco. A casa continua pequena, um pouco
modificada à frente. Mas praticamente do mesmo jeito. Vi-me sentado na escada
que dá acesso a ela. Vi-me correndo atrás da bola no meio da rua. A estradinha
que levava-nos até o campo do DNER, como se fosse a subida do vestiário para o gramado
de um grande estádio, já não existe mais. Uma casa foi construída, enterrando
para sempre aquela passagem da infância para a adolescência.
O campo do DNER era totalmente
irregular e tinha um declive na ponta direita de quem atacava no sentido às
casas do DNER e um aclive, obviamente, para quem defendia daquele lado. As
traves eram feitas de sisal. Percorremos uma vez até o Poçõezinho para cortar
uns pés para fazê-las. Aquele campo era a nossa casa.
Nosso time não tinha treinador
como os outros da época. Tínhamos apenas a liderança de Pelé, que quando ia
chutar a bola, esbugalhava os olhos como se fosse soltar a maior bomba. Todos
saíam da frente e ele passava ileso pela defesa adversária. Pelé era a nossa
maior arma. Era forte e ganhava no corpo e na habilidade de qualquer zagueiro.
Nosso time tinha também os
“pernas de paus”, os mais ou menos e alguns outros bons jogadores. Treinávamos
nos finais de tarde no meio de semana para jogar no domingo contra outros times
mais organizados e preparados. Quando saíamos para jogar no campo do Roberto
Santos contra o time de Edson, geralmente perdíamos feio. Quando íamos para o
campo do CNEC enfrentar o time de Marcelinho, também não tínhamos sorte. Mas o
DNER era nossa casa e fazíamos questão de prevalecer o mando de campo e no
mínimo empatar com os times de fora. Eles tinham técnico, esquema tático, campo
regular, treino com bola e físico e, ainda por cima, jogo de camisa.
Quanto a nós, as posições eram
definidas apenas para o início do jogo. Depois, cada um orientava o outro
dentro de campo mesmo. Mal tínhamos reservas. Era melhor assim. Não tínhamos
jogo de camisa nem para todos os titulares. O nosso primeiro uniforme foi o do
Tira-Teima, que aparece na foto acima, e foi cedido pelos meus tios. Meu pai
ajudou a pintar os números que só iam até nove. Pedíamos que alguém levasse
mais duas camisas brancas para completar o uniforme, para que ficasse pelo
menos parecido com o restante.
Nosso vestiário era às vezes
embaixo do pé de manga que fica em frente à casa de Clovinho, outras vezes
dentro de um tanque aberto e vazio que ficava quase próximo ao escanteio do
lado esquerdo de quem ataca para as casas do DNER. Muitas vezes também já
saíamos de casa com as chuteiras calçadas e o uniforme vestido.
No domingo, o campo ficava cheio de crianças e
adultos. Muitos carrinhos de picolés. Até meio dia de domingo, aquele era nosso
mundo. Mal dormia à noite anterior. Toda a ânsia corroía meu estômago. Será que
ganharíamos? Será que eu faria algum gol? Tudo isso me consumia.
Eu era ponta esquerda do time.
Meus irmãos Eric e Vitor jogavam no meio campo. Pelé era nosso atacante.
Márcio, que nos deixou há alguns anos, era o nosso goleiro; Júnior, hoje
policial militar, lateral direito; Cal, que mora hoje nos Estados Unidos, era o
lateral esquerdo; os nossos zagueiros eram Clovinho, que tinha a melhor
chuteira, uma Munique, mas mal sabia dominar a bola, e Cal, irmão de Beca, que
jogava no meio campo; completava o time titular o habilidoso Dinato, nosso
ponta direita. Havia também Binho (hoje Dr. Wagner) e Marcelo, além de Cleber,
Dauri e Flor. Estes três moravam no próprio DNER, assim como Márcio e Clovinho.
Os outros, como eu e meus irmãos, moravam nas redondezas. Tinha também Agmael, Dinho
e outros amigos.
Este jogo em que posamos para
tirar a foto acima foi um dos mais importantes. Do outro lado tinha um time com
um uniforme do Bahia, completo diga-se de passagem. Chamamos um fotógrafo
profissional para guardar para sempre aquele momento. Ganhamos de 5 a 3. Fiz
dois gols - um após o escanteio, em que a bola sobrou livre para mim, e o outro
de pênalti. Na hora de andar até a marca da cal, muitos vinham no meu ouvido e
diziam – “chuta rasteiro porque esse goleiro é muito bom no alto”. Eu não sabia
bater pênalti muito bem e só gostava de chutar a meia altura. Corri para a bola
e bati rasteiro no canto direito dele, deslocando-o. Não lembro-me o nome do goleiro,
mas tinha a fama de ser um dos melhores.
Essa semana encontrei-me com Pelé
e dei-lhe uma cópia desta foto que ele cobrava há tempos. Por alguns segundos
ele ficou apenas contemplando. Em seguida, fez o seguinte comentário acrescido
de uma pergunta. “Eu já tinha um corpo bem avantajado nessa época. Eu era o
técnico de vocês? Todos eram crianças!” Eu respondi que não. Que ele jogava com
a gente. Pelé era admirador de artes marciais, de filmes de Van Damme e Bruce
Lee. Talvez por isso, ele fez toda essa pose para sair na fotografia. Mas de
fato ele era bem mais velho que nós.
Voltando ao ponto de partida, encontro-me
com Flor, amigo daquela época. Cumprimentamos um ao outro rapidamente. Paro
mais à frente e fico contemplando da esquina toda a rua que passei um dos
melhores anos da minha vida. Algumas casas construídas já impedem de observar o
restante do pôr do sol.
O campo de futebol que observo
agora não é o do DNER. Fica um pouco mais acima. Mas o terreno também é
irregular, as traves são de madeira, os meninos de todas as idades jogam uns
com camisa e outros sem. Era como se eu estivesse observando todos nós naquele
instante. O campo do DNER já não existe mais. Só visitando a memória para jogar
uma partida de futebol com meus amigos.
Texto: Fábio Agra
Foto: Provavelmente 1994
Pô véi, me emocionei bastante. Só faltou asseverar que nesse jogo eu fiz um gol, na sorte, mas fiz. rs.
ResponderExcluirAnônimo, escreva aí seu nome. Quem fala? Desculpe não citar as outras pessoas que fizeram gols. Realmente não recordava. Lembrei apenas que fiz dois.
ExcluirOlhando pra essa foto e lendo o seu texto, me passou pela memória as minhas histórias nos campos que hoje não existem mais! Uma pena que hoje muitos jovens não dão importância a esse esporte, que integrava pessoas de diferentes comunidades poçoenses! Gustavo
ResponderExcluirObrigado por ter lido o texto Gustavo. Realmente, Poções tinha muitos campos. Era uma diversão só.
ResponderExcluirMuito bom colega, na década de 80, também brinquei alguns babas aí no DNR, parabéns
ResponderExcluirMuito obrigado por ter lido o texto, Cláudio. Abraço!
ExcluirFábio, na verdade, a gente não treinava (mesmo), era uma espécie de rachão todos os dias! Ah, o gol do primeiro comentário foi meu (hehe)! Binho.
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