Páginas

domingo, 8 de dezembro de 2013

Em Poções, entre o pôr do sol e o anoitecer, muito se pode ver e ter*



Fim de tarde. O sol praticamente se foi, mas o calor está forte o suficiente para estranharmos a temperatura ainda essa hora do dia. Já faz um mês de inverno e, como de costume, os fins de tarde sempre trazem uma brisa refrescante, nos anunciando o frio da noite. 

Me atento que é hora de comprar pão. Aquele mesmo que é feito há anos na panificadora do seu João Cambuí. Enquanto as pessoas voltam do trabalho para suas casas e outras param e conversam em qualquer esquina após esbarrões ao acaso, desço para o centro de Poções ouvindo o que se toca na Voz do Gaivota.

Chego à panificadora de João Cambuí. Diego, filho da professora Rita e neto de Vera, interrompe o meu pedido, que eu estava prestes a fazer no balcão, ao dizer que vai me avisar quando houver mais um sarau em homenagem a Affonso Manta. Digo que pode confirmar minha presença. Adorei o primeiro que eu fui. Paro um momento de falar e penso como naquela noite descobri também o gosto pelo chorinho. Fiquei por horas ouvindo aquelas músicas sublimes, assistimos a um vídeo de Altamiro Carrilho e depois fomos contemplados com as leituras de quatro poesias de Affonso Manta. Que noite fantástica! Era final de dezembro de 2012.

Peço então meus pães de leite. Enquanto a moça os põe na sacola, ouço a Ave Maria tocar na Voz do Gaivota. A primeira coisa que penso é que são seis horas da tarde. Em seguida, toca o Hino do Senhor do Bonfim, na voz de Caetano Veloso. As atividades da voz do Gaivota só retornarão agora às oito da noite com o Tema de Lara (que descobri bem mais tarde ser do filme Dr. Jivago) abrindo a programação. Enquanto ouvia o Hino ao Senhor do Bonfim, lembrei que quando escuto a Ave Maria da minha casa, aquilo me parece o fim do mundo. De lá, imagino uma Poções deserta enquanto ela é tocada. Mas hoje, por ver o centro cheio de gente, indo e vindo, me senti vivo e a música não soou mais como uma lamentação pós-morte. Percebi o quanto a cidade vive o seu cotidiano.

Nesse momento um velho conhecido do meu tempo de infância, Fafá, o eletricista que ajudou a trocar o telhado da antiga casa da minha avó, adentra o ambiente dando a notícia que a mãe do prefeito morreu há menos de meia hora. Naquele instante ainda não havia entendido muito bem o que ele disse, mas somente quando as mulheres que estavam atendendo perguntaram, afinal, quem tinha morrido. Após responder, ele comenta que “é duro! Além do cunhado, da mãe de criação e agora a mãe em pouco tempo.” Olho para ele sem dizer nada.

Pego minha sacola de pão, atravesso a faixa de pedestre, me desvencilho das pessoas que se aglomeram na barraca de acarajé de Cristina. Subo a ladeira da Igreja Matriz em direção a minha casa. Na porta da igreja, um fotógrafo com sua máquina analógica e a bolsa do equipamento pendurada no braço aguarda pacientemente, provavelmente o início da missa de quarta-feira, a missa de finados. Sinto, então, aos poucos o vento do início da noite amortecer o calor.

*Texto escrito entre julho e agosto de 2013

Texto Fabio Agra

Nenhum comentário:

Postar um comentário