Fim de tarde. O sol praticamente se foi, mas o calor está forte o
suficiente para estranharmos a temperatura ainda essa hora do dia. Já faz um
mês de inverno e, como de costume, os fins de tarde sempre trazem uma brisa
refrescante, nos anunciando o frio da noite.
Me atento que é hora de comprar pão. Aquele mesmo que é feito há anos
na panificadora do seu João Cambuí. Enquanto as pessoas voltam do trabalho para
suas casas e outras param e conversam em qualquer esquina após esbarrões ao
acaso, desço para o centro de Poções ouvindo o que se toca na Voz do Gaivota.
Chego à panificadora de João Cambuí. Diego, filho da professora Rita e
neto de Vera, interrompe o meu pedido, que eu estava prestes a fazer no balcão,
ao dizer que vai me avisar quando houver mais um sarau em homenagem a Affonso
Manta. Digo que pode confirmar minha presença. Adorei o primeiro que eu fui. Paro
um momento de falar e penso como naquela noite descobri também o gosto pelo chorinho.
Fiquei por horas ouvindo aquelas músicas sublimes, assistimos a um vídeo de
Altamiro Carrilho e depois fomos contemplados com as leituras de quatro poesias
de Affonso Manta. Que noite fantástica! Era final de dezembro de 2012.
Peço então meus pães de leite. Enquanto a moça os põe na sacola, ouço
a Ave Maria tocar na Voz do Gaivota. A primeira coisa que penso é que são seis
horas da tarde. Em seguida, toca o Hino do Senhor do Bonfim, na voz de Caetano
Veloso. As atividades da voz do Gaivota só retornarão agora às oito da noite com
o Tema de Lara (que descobri bem mais tarde ser do filme Dr. Jivago) abrindo a programação. Enquanto ouvia o Hino ao Senhor do Bonfim,
lembrei que quando escuto a Ave Maria da minha casa, aquilo me parece o fim do
mundo. De lá, imagino uma Poções deserta enquanto ela é tocada. Mas hoje, por
ver o centro cheio de gente, indo e vindo, me senti vivo e a música não soou
mais como uma lamentação pós-morte. Percebi o quanto a cidade vive o seu
cotidiano.
Nesse momento um velho conhecido do meu tempo de infância, Fafá, o
eletricista que ajudou a trocar o telhado da antiga casa da minha avó, adentra
o ambiente dando a notícia que a mãe do prefeito morreu há menos de meia hora. Naquele
instante ainda não havia entendido muito bem o que ele disse, mas somente
quando as mulheres que estavam atendendo perguntaram, afinal, quem tinha morrido.
Após responder, ele comenta que “é duro! Além do cunhado, da mãe de criação e
agora a mãe em pouco tempo.” Olho para ele sem dizer nada.
Pego minha sacola de pão, atravesso a faixa de pedestre, me
desvencilho das pessoas que se aglomeram na barraca de acarajé de Cristina.
Subo a ladeira da Igreja Matriz em direção a minha casa. Na porta da igreja, um
fotógrafo com sua máquina analógica e a bolsa do equipamento pendurada no braço
aguarda pacientemente, provavelmente o início da missa de quarta-feira, a missa
de finados. Sinto, então, aos poucos o vento do início da noite amortecer o
calor.
*Texto escrito entre julho e
agosto de 2013
Texto Fabio Agra
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